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Grande Entrevista com David Jaffe - Parte 2

O criador de God of War conversou connosco sobre as mudanças na Sony, horas extras nos estúdios, e como serviços de subscrição podem influenciar o design de videojogos.

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Grande Entrevista com David Jaffe - Parte 2

Passámos mais de uma hora a conversar sobre videojogos com David Jaffe, criador de Twisted Metal e God of War, uma conversa de tal forma rica, que teve de ser dividida em dois artigos (clique aqui para a Parte 1). Podíamos ter continuado por mais algumas horas, porque o homem sabe claramente do que fala, e não tem problemas em partilhar a sua perspetiva sobre os videojogos. Mais, adora falar e discutir sobre a indústria, e é precisamente isso que o atrai neste momento - a interatividade que o seu canal de Youtube e a respetiva comunidade permitem.

Mas se David Jaffe é um nome conhecido na indústria hoje em dia, deve-o em grande parte à Sony e às pessoas que por lá encontrou... mesmo que provavelmente a situação fosse diferente caso tudo acontecesse hoje.

"A minha carreira na indústria foi sempre a produzir os jogos que eu queria fazer, e isso deve-se à Sony. A Sony permitiu que eu, e outros criadores, realmente fizéssemos o que queríamos, desde que conseguíssemos propô-los devidamente, e mostrássemos paixão pelo projeto. Bem, isso não significa que eu pudesse fazer tudo o que me apetecesse, mas desde que fosse comercialmente viável, e que não perdesse dinheiro à companhia, estava à vontade."

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"Mas isso também refletia os orçamentos dessa altura, no início dos anos 2000. Era um risco muito menor. Se eu voltasse para a Sony agora e dissesse que queria fazer um jogo de ação sobre a mitologia grega, sem que houvesse o God of War, penso que não seria feito, sobretudo como foi feito na altura. O meu patrão em 2002, Allan Becker, perguntava-nos o que queríamos fazer. Eu apresentava três ideias, ele perguntava qual era a que a equipa mais queria fazer, e partir daí construíamos um protótipo. Era muito simples. "

"Agora é preciso lançar a ideia a uma série de departamentos, incluindo marketing e vendas, e depois têm de debater entre si... é mais complicado, mas eu percebo porquê. Agora estamos a falhar de investimentos nas centenas de milhões de dólares para alguns destes jogos. Eu percebo, mas isso não é divertido para mim, eu não quero fazer isso. Penso que Twisted Metal e God of War não seriam feitos hoje, não como foram feitos na altura... excepto talvez por uma editora menor, como a Devolver Digital ou a 505 Games, com orçamentos menores."

Grande Entrevista com David Jaffe - Parte 2
Serviços como o Game Pass e o PS Now podem vir a influenciar os videojogos, segundo David Jaffe.

Neste momento David Jaffe está mais focado no seu canal no Youtube, e um dos tópicos que costuma aparecer com frequência diz respeito a serviços como o Game Pass e o PS Now.

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"Eu adoro o Game Pass, e no geral adoro essa visão para a indústria. O próprio PS Now não é nada mau, embora sofra em comparação com o Game Pass. Eu tenho os dois, mas raramente uso o PS Now, porque o Game Pass recebe novidades quase todas as semanas, e não são apenas jogos antigos, mas novos lançamentos. Ainda agora recebeu Outriders, MLB The Show 21, Second Extinction... tudo jogos novos. O PS Now só costuma receber jogos com mais tempo no mercado."

"Acho que esses serviços vão acabar por influenciar a forma como os jogos são desenhados e produzidos, embora não tenha a certeza de como, porque é um conceito muito novo. É que estes serviços têm de manter o jogador a pagar vários meses, não apenas um, e isso é um problema que também se estende aos serviços de filmes e séries, como Netflix e HBO Max. Por exemplo, o HBO Max alterou a data de lançamento de Mortal Kombat para não estar tão próximo de Godzilla vs. Kong, de forma a motivar os assinantes a assinarem mais um mês."

"Não sei como isso será resolvido na indústria dos videojogos, mas o meu desejo é que isto motive uma nova guerra de exclusivos. Há um rumor de que Hideo Kojima está em conversações com a Microsoft para lançar o seu próximo jogo no Game Pass. Não sei se é verdade, mas vamos supor que sim para esta conversa. Isso seria semelhante a ter a Netflix a contratar Martin Scorsese para produzir The Irishman para o serviço, ou quando a Apple TV contratou Steven Spielberg para realizar Amazing Stories."

"Eu acho que isto pode motivar as empresas a competir por mais talento criativo, e não apenas com ofertas de dinheiro, mas também de liberdade para que possam criar o que realmente querem. A minha esperança é que isto resulte numa grande explosão de ideias malucas, porque as empresas vão querer começar a chamar mais atenções para os seus serviços. Acho que também podemos começar a ter jogos mais pequenos, já que deixaria de ser necessário justificar o preço de um jogo com a sua duração. Muitos jogos têm "gordura" desnecessária para aumentar as horas de jogo, mas serviços como o Game Pass e o PS Now podem permitir que os produtores cortem essa gordura e apresentem experiências mais consiças."

"Acho tudo isto muito empolgante, embora saiba que algumas pessoas olham para estes serviços como se fosse uma desgraça. Algumas pessoas presumem que serviços deste tipo irão tornar-se num ferro-velho de jogos estilo mobile, e de jogos de qualidade reduzida e sem interesse, ou com muitas micro-transações. Bem, se isso acontecer, e se as empresas 'cagarem a cama' dessa forma, então nós simplesmente temos de sair da cama e cancelar a assinatura. Mas acho que isso não vai acontecer."

Embora serviços como Game Pass e PS Now possam vir a mudar literalmente o jogo, não são os únicos fatores que podem vir a causar terramotos na indústria. Existem muitas coisas interessantes a acontecer no espaço dos videojogos e do entretenimento interativo, como o Metaverse da Epic Games, onde a Sony recentemente investiu 200 milhões de dólares. Já tivemos alguns vislumbres disso no espaço social de Fortnite e até em serviços mais antigos como o Second Life e o PlayStation Home. Esses espaços virtuais estão definitivamente a caminho, segundo David Jaffe.

"Quer se chame Metaverse na Epic, ou Oásis em Ready Player One, tenho a certeza que estamos a caminho disso, e eu mal posso esperar para lá chegar. Há imenso tempo que estamos a dar pequenos passos nessa direção, mas penso que para essa noção realmente 'explodir', será necessário que apareça alguém, não só com conhecimento técnico, mas também grande envolviência na experiência do utilizador. É preciso que apareça alguém capaz de tornar estes espaços divertidos e de fácil acesso, como Steve Jobs o fez com os smartphones."

"Por exemplo, já participei em eventos virtuais de videojogos, mas normalmente só é possível ver vídeos e trailers. É preciso que esses eventos permitam ao jogador correr uma demo logo ali, a partir daquele espaço, sem dificuldades. Por exemplo, eu adoro convenções, mas ao mesmo tempo odeio muitas coisas delas. As multidões, as filas... as pessoas gastam imenso dinheiro para ir a convenções, e depois chegam lá e só conseguem fazer meia-dúzia das coisas que queriam. Agora imagine uma Comic-Con virtual, em que todos pudessem participar. As empresas iam ganhar mais dinheiro, porque teriam bem mais participantes, e os visitantes também teriam mais dinheiro para gastar porque não precisariam de viajar para San Diego, de arranjar um quarto onde passar a noite.... Tenho a certeza que estes espaços virtuais estão a caminho, e eu adoro isso."

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"Se quiser estar entre os melhores, esqueça a ideia de um trabalho das 9:00 às 17:00."

Um tópico quente dos últimos anos nos videojogos tem sido o "Crunch", que se resume à necessidade de muitos estúdios fazerem horas extra para lançarem os jogos a tempo e horas. Como produtor de videojogos, David Jaffe tem uma perpetiva muito própria sobre o assunto.

"Acho bem que existam empregos e carreiras onde as pessoas possam equilibrar o trabalho com as suas vidas, e até acho que é muito saudável que as pessoas queiram isso. Agora, não insistam é com a ideia de que isso é algo que todos querem. Existem empresas de videojogos que não obrigam a horas extra... aliás, nenhuma empresa o que fazer. Mas o que acontece na maioria das empresas, a menos que seja uma empresa terrível, é que a maioria das pessoas acaba por fazer horas extra por amor ao projeto. Por exemplo, eu neste momento estou a fazer vídeos e transmissões no meu canal, e isso exige muito de mim e do meu tempo. Mas eu adoro fazer isto."

"O que acho problemático é quando as pessoas acham que podem não fazer horas extra, e mesmo assim estar entre os melhores. Tudo tem tem um custo. Há uma grande autora, a Elizabeth Gilbert, que se refere a isto de forma muito simples: "quanto desta sandes de merda é que está disposto a comer?". Algumas pessoas vão comer a sua sandes de merda, e depois ainda vão pedir por mais. Eu estou a adorar fazer streams e quero para ser o melhor que posso nisso. Não é apenas uma vontade, eu estou realmente feliz por estar a dar tudo de mim a isto."

"Existem pessoas como eu, o Cory Barlog [diretor do God of War 2018], o Neil Druckmann [Diretor de The Last of Us] - basicamente a maioria das pessoas que trabalham em jogos de nível superior - que querem isso. Não há problema nenhum em não querer isso, pelo contrário mas também não ajam como se fosse mau querer isso, porque para estar entre os melhores dos melhores, é isso que é preciso dar. Esta é minha opinião sobre Crunch. Se quiser estar entre os melhores, esqueça a ideia de um trabalho das 9:00 às 17:00. Dito tudo isto, também existem, claro, empresas que forçam o Crunch porque são péssimas e têm liderança incompetente. Se for o caso, então o melhor é sair o quanto antes."

Embora voltar aos videogames não esteja fora de questão, David Jaffe agora está totalmente focado no seu canal, mas... o que pode esperar encontrar por lá caso decida visitar o seu canal de Youtube?

"Eu costumava fazer todo o tipo de coisas, mas agora estou realmente a focar o canal apenas em videojogos. O que eu acho que podem encontrar... bem, sabem os programas de desporto com antigos atletas, que partilham a sua perspetiva única sobre o desporto que praticaram? O meu canal é mais ou menos isso. Acho que ofereço uma perspetiva única e experiente, considerando o que fiz durante 25 anos em termos de criação e direção de videojogos. "

"Também sou muito interativo com o chat e com quem liga através do Discord, e conversamos sobre todas as novidades que acontecem no mundo dos videojogos. Somos todos fãs apaixonados por isto, e adoramos discutir e debater temas, mas penso que consigo oferecer uma perspetiva diferente e mais experiente do que o tipo comum que fala de jogos no Youtube."

"Tenho sido o beneficiário de fãs ao longo de toda a minha carreira, sejam eles fãs de Twisted Metal, de God of War, até dos meus jogos que não tiveram sucesso, e agora estou mais uma vez à mercê desses fãs, de mantê-los satisfeitos, e de motivá-los a regressar ao canal, e até agora, é o que têm feito, e por isso eu estou muito agradecido."

Acaba aqui a nossa entrevista de duas partes com David Jaffe, mas de certeza que continuaremos a circular o seu canal de Youtube. Vemo-nos por lá, e por aqui, no Gamereactor?

Grande Entrevista com David Jaffe - Parte 2
Gabbin'Games é o nome do programa em que Jaffe fala de videojogos com os seus seguidores.


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