Falar de um temas como a morte e cancro nunca é fácil, independentemente do meio utilizado, mas nos videojogos em particular tem sido um tópico inexistente. É no entanto esse o foco de That Dragon, Cancer, que graças a uma narrativa poderosa, explora conceitos que são de certa forma tabu nesta indústria de entretenimento. É raro, para um videojogo, tratar de assuntos tão complexos e dolorosos, pelo menos nesta perspetiva tão pessoal.
Outros jogos já abordaram tópicos difíceis, e partilharam emoções e consequências de perda, mas sempre numa perspetiva ampla, como Valiant Hearts: The Great War ou This War of Mine, dois jogos sobre a guerra que se concentram noutras áreas que não nos confrontos em si. That Dragon, Cancer é diferente. Aqui vão acompanhar uma jornada de luto, através de uma história muito pessoal do criador do jogo, Ryan Green.
That Dragon, Cancer, conta a experiência dramática de um casal, Ryan e Amy Green, que ao longo de alguns meses tiveram de testemunhar algo que nenhum pai devia ter de ultrapassar: a luta do seu filho de cinco anos com o cancro, uma batalha corajosa, lenta e agoniante, mas que acabou com a vida do pequeno Joel. O projeto nasceu quando Joel ainda estava vivo, e seria sobretudo uma forma de Ryan manter vivas as memórias mais intensas do tempo que passou com Joel, mas com a morte do filho, That Dragon, Cancer transformou-se numa espécie de terapia para Ryan Green. Em termos objetivos de jogo, trata-se de uma aventura gráfica minimalista com algumas influências de Cubismo, que atravessa várias etapas de um período de luto. Normalizar a dor e torná-la numa parte da rotina diária: esse é o nobre esforço deste profundo trabalho da Numinous Game.
O sentimento partilhado de perda é um dos elementos chave da aventura, causado sobretudo pela decisão de não caracterizar as personagens. De certa forma sugere que, não importa quem é atingido por um drama destes, a dor e o sofrimento experienciados por uma família obrigada a ver o filho morrer lentamente, será semelhante para todos. O que importa nesta história é que That Dragon, Cancer é uma viagem emocionalmente esgotante, que pelo caminho inclui muitas memórias tocantes, mas também momentos dramáticos, embora sempre partilhados de forma elegante.
É uma experiência que ganha vida através de uma estrutura clássica de aventura, com algumas secções curtas, mas incisivas, de plataformas. O seu propósito é, acima de tudo, o de oferecer uma pausa para o turbilhão de emoções que é That Dragon, Cancer. Como já referimos, apreciámos particularmente o estilo artístico do jogo, onde as cores e as formas recriam perfeitamente a atmosfera surreal deste quasi-sonho, enriquecido pela banda sonora sofisticada da autoria de Jon Hillman.
O estilo de jogo que é quase não o merece, mas temos de também olhar para That Dragon, Cancer de forma objetiva, e isso implica referir certas limitações e falhas técnicas do jogo. Não são, contudo, suficientes para beliscar o que é uma experiência maioritariamente feita com grande carinho, capaz de nos aplicar um autêntico murro no estômago com apenas algumas linhas de diálogo. Temos novamente de reforçar que o jogo não faz isso de forma barata, pelo contrário, explora este tópico difícil e emocional com grande elegância e sem nenhuma se aproveitar de nenhuma manipulação barata. A beleza e o drama deste jogo é que consegue captar a esperança e a agonia, a luz e a escuridão, que se abatem sobre uma pessoa que tenha de passar por isto, pela força necessária para resistir a esta dor e prosseguir dia-a-dia.
O resultado é um jogo que nos parece culturalmente relevante, que oferece uma reflexão sobre um tema tão profundo como o ser humano ter de contemplar a morte. Ao mesmo tempo é uma forma de prestar apoio moral a muitas famílias que possam ter passado por esta tragédia pessoal na sua vida. That Dragon, Cancer é uma luz brilhante no meio da escuridão, e é também mais um exemplo do grande potencial, e da capacidade emocional dos videojogos.